GENGIBANDO
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Rosi
Luna
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Era época de recenseamento do IBGE e fui uma daquelas funcionárias públicas que fazia trabalho externo. O bom dessa experiência é que você conhece todo tipo de pessoa. Podia até me vangloriar de já ter entrevistado um leprososo, um ladrão profissional, muitos gays e prostitutas. Meu universo de conhecimento humano ficaria bem vasto depois desse trabalho. Não sei se porque era muito falante e sempre bem humorada fui nomeada a supervisora que iria visitar as recusas. É porque não dá nem pra imaginar a quantidade de pessoas que se recusam a receber a visita do infeliz do recenseador. Os pobres tem mêdo e não entendem pra que é necessário saber a quantidade de pessoas que existem no Brasil. Já o rico tem sempre algo a encobrir e tem mêdo de revelar alguma de suas falcatruas. Nesse meio fica a classe média que é uma caixinha de surpresa, ora recebia de bom grado e ora fechava a porta bem na cara dos pesquisadores. O carro oficial era um gurgel e ele levava os supervisores nas casas que tinham problema pra receber o recenseador. Me lembro de ter ouvido do meu chefe imediato a seguinte argumentação. - Vá com calma nessa casa, que o homem apontou uma espingarda para o recenseador. Que obviamente nem olhou pra trás e saiu correndo. Estava chovendo torrencialmente nesse dia, ao descer do carro bem em frente da casa em que ia visitar, caí numa enorme poça de lama. Quando o homem abriu a porta, não deu nem tempo de me aprensentar pedi para me mostrar uma torneira e me trazer um pano para limpar meus sapatos. Ele me ajudou na operação limpeza e já fui fazendo as perguntas. Ele relutou um pouco, mas aos poucos foi cedendo e fui preenchendo o questionário. Primeira pergunta - Qual o nome das pessoas que moram aqui? Não me recordo o nomes exatos, mas ele respondeu algo do tipo tem a Joana minha "mulé" e os "fios" o Pedro e o Joaquim. Quando acabei de anotar ele disse: - Moça, esqueci de falar tem o "mentar" lá no quarto, ele conta também? Lembro de ter perguntado com aquela cara de não entendi. - Como é "mentar"? - É dona o pobrezinho sofre das "facurdade mentar". Respondi que contava, sim. - Dona a senhora quer ver ele? - Não, preciso só anotar o nome e idade dele. Ele me levou assim mesmo no quarto e lá estava um rapaz com um sorriso enorme. - "Óia" dona num precisa ter mêdo dele que ele está assim com a "gengiba" toda de fora por causa que ele é muito "risonho" assim mesmo. "Tivemo" que arrancar "os dente" tudo dele que tava tudo "podrido". Consegui preencher todo o questionário sem problemas, quando estava no fim das perguntas ele olhou pra mim e disse. - Tô com a "gengiba" coçando tanto, acho que vou ter quer mandar o doutor "arranca" tudo que é dente meu também. Eu contra argumentei que era melhor ele tratar os dentes e não arrancar nada. O fato é que ficamos horas gengibando e falando sobre "gengibas". Isso aconteceu num bairro de periferia do Recife e o legítimo cabra da peste, o dono da gengiba coçante fêz a maior amizade comigo. Em momento algum eu corrigi ele e sempre me referi a gengiva como "gengiba". O caso de recusa foi resolvido e acabamos de "gengiba" de fora de tanto rir e pasmem o homem até me deu uma jaca. Meu chefe não acreditou quando cheguei da casa do homem considerado super bravo com a jaca nas mãos. E viva as "gengibas" e deixa eu rir e colocar a minha pra fora antes que caia uma jaca na minha cabeça. Pena que aqui no sudeste é difícil de encontrar uma jaca mole. E como gosto, é uma fruta pra "gengiba" nenhuma botar defeito. |
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