FÃ
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Tania
Crivellenti
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Eu não sou fã do tipo babona, histérica. Acho que não tem melhor maneira de se aproximar de um ídolo do que fingir que nem liga. E morrer por dentro cada vez que ele te escreve. Aquele autógrafo conseguido como quem não quer nada fica guardado que nem jóia. Você nem fala nada e vai buscando todas as obras dele, tudo que já escreveu. Coleciona as crônicas e descobre todos os truques, um pedacinho reaproveitado aqui, um meia na frente do gordinha ou teria sido uma ausência do meia e o gordinha veio depois ? Mas nada abala a imagem de um mestre. E uma frase te faz invejar tamanho talento, mesmo repetido, reaproveitado e tudo. Então não posso negar, sou fã. E quase morri de ciúme outro dia, quando outra fã apareceu na coluna dele no jornal. Geniazinha a menina, mas e daí. Eu mesma já fui mentalmente assassinada por uma terceira fã nessa história. Que diz que eu ganhei o concurso de crônicas na semana que era para ser dela. Foi a própria assassina que confessou, mas só porque sua crônica foi escolhida na semana seguinte. Se não era capaz de eu estar morta mesmo. Eu acredito em poderes telepáticos. Do mestre gosto especialmente das reminescências. Aquelas onde ele quer se parecer com um velhinho, que entende das coisas antigas. Com sua mente de criança, destrincha o verbo no quebra-vento, na poltrona, nos prendedores. Fico pensando quanto tempo vai demorar para ele se lembrar da Banana-split. Lembra dela ? E o colegial, o único que ainda tem um certo poder, é o sunday. Mas tinha coisa mais gostosa do que a banana-split, de preferência com letras maiúsculas, muito caramelo, quilos de chantily, ai, minha boca encheu de água de se lembrar do chantibom ! Agente nem diluía, comia purinho, se lambuzando todo. Produto da nossa Kibom, aquele potinho redondo cheio de paraíso concentrado para fazer virar chantily. Muito antes dos assassinos "por quilo", tinha* uma sorveteria em Caraguatatuba. Cidade também conhecida como Caraguatalama, irmã de Ubachuva e São-sebastrovão, minhas cidades litorâneas preferidas. Então, na sorveteria, eles faziam as taças de sorvete com tanta cobertura que vazava tudo para o pratinho debaixo, e agente lambia aquilo feliz, escorria da colherzinha, aquela de cabo comprido, hum delícia. Mais do que praia, ficava na nossa mente o insustentável prazer do sorvete. Então vieram as balanças, como diz Ele, coisa de americano, eu aposto. E os quilos acabaram com o prazer lúdico de descobrir uma sorveteria nova, afinal são todas iguais. Minha mãe ainda não percebeu isso, de vez em quando atravessamos a cidade por causa dessa ou daquela sorveteria. Ah! Mas não tinha igual a banana-split da sorveteria de Caraguá. Era um tal de atrasar horas na saída, antes de subir a serra, enfrentar o trevo duas vezes, mas sem passar na sorveteria agente não ía embora, de jeito nenhum. E isso até quando grande. Pai sofreu e namorado também. Então, depois desta crônica que tem 3459 caracteres, não preciso nem de carteirinha mais. Escrevi fã e assinei embaixo. Ah! e o PS, já percebeu que ele não vale mais nada depois dos computadores ? Quem é que vai postscriptum, ou seja, escrito depois, alguma coisa ! Só se for à mão, no fax... Quanto delírio... * tenho uma tia que é professora de português, e ela me ensinou direitinho que ter não pode ser usado como sinônimo de existir ou haver. Mas HAVER sorveteria em Caraguá seria outra coisa, nem EXISTIRIA banana-split com o mesmo gosto, se a tal casa houvesse ao invés de tivesse... |
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