O
SAL DA TERRA
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Flávia
Cintra
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Domingo longo. Perco (ou ganho) oito horas da minha vida sentada em uma cadeira dura e desconfortável. O calor quase me derrete dentro da sala abafada e cheia de almas. Conversa vai, professor vem, murmúrios longos. Liga o ar-condicionado, não liga. Mas como? No Plenário da Câmara dos Deputados existem apenas 399 assentos? Mas não são 513 deputados no total? Quê isso? Onde já se viu? Olho no relógio de cinco em cinco minutos. Resolvo tirar do pulso e guardar na bolsa pra ver se o tempo passa mais depressa. (Sabem que dá certo?) Intervalo da tarde. Conheço a menina que está atrás de mim desde a época da faculdade de engenharia. O nome dela é Socorro, mas eu insisto em chamá-la de Consuelo. Vai entender... A tal Socorro Consuelo está em dúvida sobre o plural de algumas palavras. (Tá, a aula é de Regimento Interno, mas aluno de cursinho é fominha assim mesmo: descansam carregando pedras.) Vou ajudando, dando meus palpites. Então o mocinho sentado ao lado dela, atento à nossa conversa, me surpreende: Qual o correto: saudade ou saudades? (Ah, e justo pra mim ele pergunta isso? Eu sei!) Os dois estão corretos, depende do contexto. E essa informação é quente! Pode acreditar. Cito os dois exemplos que eu sei e ele fica satisfeito. Você fez aula com o Firmino, né? Foi ele quem te falou isso? Não, não foi... Eu e a Consuelo Socorro continuamos nosso tricô, agora relembrando os colegas da faculdade (o assunto dos plurais estava mais interessante): Fulana casou, beltrano engordou, aquele outro mudou-se pro Tocantins... Você sabe a origem da palavra saudade?, o mocinho interrompe de novo, olhando pra mim. Não, mas eu sei que tem a ver com Portugal. Você sabe?, curiosa, como sempre. E aí ele conta. Conta sobre as lágrimas que as portuguesas choravam nos portos quando seus maridos viajavam em busca da descoberta de novas terras. Conta que aquelas lágrimas secavam em seus rostos e sobrava apenas o sal, o sal de ti. Sal de ti... Eu não ouço mais a voz da Consuelo Socorro (ou Socorro Consuelo, ou Socorro, ou Consuelo, sei lá!). O tempo pára. O tempo volta. Sal de ti, Tio Rubens, que se foi há um mês e era a alegria constante de todos os nossos finais de semana. Sal de vós, Celinho, Vivi e Fernanda, meus irmãos, e da infância e juventude maravilhosa que passamos juntos. Sal de nós, Túlio, Chris, Roberta, Delma, Rejane, Ana, Flávio, Dani, Chambinho, Miguel, Rogério, Carol, Soraya, Vanessa, Fred, Hassan, Adrianinho, Vinícius, Os Anjos do Prata... e de tudo que já aprontamos juntos nesta vida. Sal de ti, sal de vós, sal de nós. Não é hora nem lugar pra chorar. Prendo as lágrimas e deixo que elas venham agora, enquanto relembro e escrevo. Sal de ti, sal de vós, sal de nós. Sal de mim. |
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