Tema 009 - CÓDIGO
BIOGRAFIA
O CÓDIGO
Felipe Lenhart

Terça-feira de carnaval. 3:30 da matina. Uma grande avenida, 4 pistas. Num lado da pista, um trio elétrico agitando a mutidão. O som é ensurdecedor. No outro, um orelhão, ao lado de um banquinho. Toca o telefone.

— Atende lá, Mané. É pra ti, cara.

— Que isso, rapaz. Ô, Piolho, tá gozando da minha cara, é?

— Que nada, velho, atende logo essa porra. Deve ser Deus... hahahaha

Mané larga a garrafa de vodka no banco e dirige-se ao orelhão. Irritado, cambaleando.

— Alô?

— Opa, como vai?

— O que?

— Como vai?

— REPETE, QUE EU NÃO TÔ OUVINDO NADA. QUEM É?

— É Deus!

— Como?

— É DEUS!!!

— Ih, cara, cê ligou pro número errado, isso aqui tá maior bagunça. Tô entendendo nada, merda.

— Garoto, olha o respeito. Isso aqui é uma casa de família. Você não é o Manoel?

— Sou.

— Manoel Antunes, né?

— É.

— Pois então, cristão. Aqui quem fala é Deus, o Todo Poderoso. Lembra de mim não?

— Ô filho da puta. Vai te catar, vai.

— Manoel? Espera, Mané. Assim você vai para o inferno, meu pupilo.

— Cara, quem é que tá falando? Isso só pode ser um ecuvo.. equívoco! É, é um equívoco, seu Deus de uma figa.

— Essas crianças... Ô Mané, presta atenção: você não tá vendo uma garota de amarelo ali do outro lado da rua, na multidão?

— HÃ?

— É, ela tá de amarelo, e tem um chapéu de mexicano, tá vendo?

— Calmaí (Piolho, me dá um gole aí, cara; é Deus, camarada. Sangue bom). Tô, tô vendo ela ali sim. É uma coisinha, hein seu Deus?

— É linda, lindíssima...

— Será que eu tenho chance com ela? (Piolho, seu bosta, me dá logo essa porra aí, véio)

— QUÊ?

— Errr... Nada, não, Deus. Então, será que eu tenho chance?

— Vai fundo, Mané... mas usa o código.

— Será? Ih, mas chegou o namorado da gata, Deus meu. E agora? Tão no maior amasso...

— Dá bola não, meu filho. Usa o código. Vai lá...                 ...tútútútú...

— Caiu.

— Quem era, Mané?

— Era um tal de Deus, cara! Falou pra mim chegar junto daquela gata ali, a de amarelo com chapéu de polonês. Tá vendo?

— Mexicano, seu bêbado, mexicano...

— É, isso aí. É pra mim usar um código que ele me falou...

— Té louco, é? Deus, cara? Te passaram um trote e tu caiu direitinho...

— Que isso, tá me chamando de laranja, Piolho? Te liga moleque.

— Então vai lá, vai. O cara que tá com ela é gigante. Vai te enfiá um monte de porrada. E olha, não me chama pra ajudar, hein? Te fode... hehe

— Então tu vai ver..

Mané atravessa a rua sob o olhar apreensivo de Piolho, que permanece sentado no banquinho, bebericando a vodka quente. Temeroso. Mané entra no empurra-empurra, chega no casal e pede licença pra garota, que quase perde o chapéu de mexicano quando dá um pulinho, acompanhando a música. "Fodeu", pensou o Piolho. Após falar alguma coisa no ouvido dele, o namorado da menina abre um sorriso e aperta a mão de Mané e sai de perto, pulando ao ritmo do Carnaval. Os dois, então, beijam-se longamente, e somem da vista de Piolho.

— E agora, Mané?, diz para si mesmo o perplexo Piolho.

Toca o telefone, novamente. Sem hesitar, Piolho salta do banco e corre para atender.

— Alô?

— Piolho? Você é o Piolho, né?

— Sim, Deus, pode falar. Às ordens. Qual é o código?

— Meu filho, vá para casa e durma tranqüilo.

— Oras, por que seu Deus? Eu também quero uma mulher!!!

— Rapaz, meu cristão, não diz bobagem. Vai pra casa...

— PORRA NENHUMA. EU QUERO FUDER!

— Olha o respeito... Além do mais...

— Além do mais o que?

— É que...

— É que o que??? Me dá o código, ô bêbado!

— Ô amigo, esquece o código. Aquela menina de amarelo, de chapéu mexicano, linda, líndissima, e que o Mané paquerou há pouco, se chama Rodolfo...        ...tútútútú...

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