O
VIGIA
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Celso
Rab Lage
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Bons tempos aqueles que éramos simples e ingênuas crianças, não?Lembro da minha infância, passada na maior parte em Osasco /SP, onde diariamente eu saía as ruas e jogava futebol com bola de meia e soltava pipas ao céu. Sempre fui uma criança traquina, vivia me enfiando em confusões, quebrando vidraças, passando cerol na linha, brigando na rua, amarrando lata em rabo de gato, coisinhas simples, que toda criança levada sempre faz. Eu era o menor de uma turma de dez pessoas, as idades variavam de onze, que era a minha idade, a dezenove, idade do Cido, vizinho da minha avó de um lado e vizinho do Moacir, o viado da turma, do outro. Vocês já repararam que toda turma tem um viado? Isso na cidade, pois no campo o pessoal se vira com uma cabra bem fornida mesmo. Aliás, como nunca conheci um ex-viado, acredito que o referido indivíduo seja até hoje um enrustido, mais profissional claro, pois na sua infância uma simples paçoca da marca amor o deixava apaixonado, coisa de viado, claro. Eu, que era menor em quase tudo, da altura à idade, só ganhava dos mais velhos no quesito "Confusão". Os mais velhos sempre cuidavam do pequeno mascote, eu aprontava, eles defendiam, e assim foi durante muito tempo. Por conviver com pessoas mais velhas, claro que descobri os segredos dos adultos mais rapidamente e, claro, morar em Osasco era uma faculdade da vida. Drogas, sexo, carros tirando racha, coisas que se aprende ao quinze, dezesseis anos de idade eu aprendi muito cedo. Não na prática, e sim na teoria, eu sabia tudo. Por ser o mais novo, minha função no grupo eram duas: Arranjar brigas (todo baixinho é invocado) e monitorar o portão da casa do referido enrustido, onde durante às tardes de Sábado seus pais saíam e a casa virava um antro. Era paçoca que não acabava mais. As brigas era fácil de se arranjar, o pessoal da rua de cima sempre nos provocava e tínhamos uma rixa feia mesmo. Era cruzar o caminho um do outro que era briga na certa. Como vocês podem perceber, o difícil mesmo era cuidar do portão da casa. O pessoal não deixava eu participar daquela festa toda, a desculpa esfarrapada de que eu era pequeno não colava, pois o Odair, que era apenas seis meses mais velho do que eu, participava. Tá certo que ele era irmão do Cido, mas que eu eu ficava "P" da vida, isso eu ficava. Bom, chega então o Sábado, calor, vento forte, o pessoal todo nos fundos da casa do Moacir (acredito que não só da casa) e eu, para passar o tempo durante meu horário de guarda, soltando pipa de cima do muro da frente da casa. O nosso código secreto, para não despertar suspeitas era um espirro. Se eu espirasse era que alguém da casa se aproximava, bom código esse, se nesse dia eu não estivesse gripado. Barulho na rua, eu cortando uma pipa no céu e de repente: Atchimm. Foi muito hilário ver o pessoal desesperado. O Cido e o irmão pularam o muro dos fundos, direto para suas referidas casas, o Paulinho e o Beto começaram a simular que estavam jogando banco imobiliário, e o viadinho no banheiro, tossindo, pois havia engasgado com a paçoca na hora do susto. Mais três espirros e o viadinho mais desesperado ainda, talvez imaginando que a família toda estava chegando. Foi difícil eles perceberem que eu realmente espirrava de verdade. Confusão desfeita, o Cido reclamando muito, pois ele estava na vez dele, e resolveram começar tudo de novo, apenas mudando o código. - Você sabe assobiar? - Claro - O.k., se chegar alguém, assobia. - Certo. Respondo eu ainda assustado com o acontecido. Nesse dia, eles esqueceram apenas uma coisa, de verificar qual era o volume e a intensidade do meu assobio. Até hoje, eu sei apenas assobiar o básico, aquele fazendo bico, baixinho que dá dó. Então, estava eu lá, soltando a pipa, distraído, olhando para o céu, quando escutei a voz do pai do enrustido. O cara havia estacionando o carro bem ao meu lado, ele, a mãe e a irmã, já saindo para entrar em casa. Começo a suar frio apesar dos trinta e poucos graus, no desespero, começo a assobiar e nada de alguém lá no fundo escutar, eles entrando na casa e o pessoal todo lá dentro. Foi quando tive o brilhante pensamento: Para um pai, o que é pior? Descobrir que o filho é viado ou perder um pára-brisas? E para mim, o que é melhor quebrar o pára-brisas ou esperar que quebrem a minha cara? Não pensei duas vezes e joguei uma pedra...Crash!!! Nunca mais me pediram para vigiar o portão, não sei porque. |
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