VIVA
A DIFERENÇA!
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Viviane
Alberto
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Dizem que a diferença entre o homem e os outros animais é que o Homem é um animal racional. Pensa, logo, existe. Teorias, o que seria dos teóricos sem elas? Contadores de histórias? Talvez nem isso. Você já viu uma macaca chorando porque o macaco disse umas barbaridades pra ela? Um leão ronronando pelos cantos porque a leoa não liga mais? Um lobo atiçando a matilha contra o bando de avestruzes, só porque eles não tinham coisa melhor pra fazer? Não. Eu sei que você nunca viu. Nem no National Geographic Channel. Simplesmente, porque não funciona assim no reino animal. Por isso funciona! E também por isso se chama Reino e não Sociedade. Bicho come quando tem fome. Quando tem sede, ele bebe.Cruza quando está no cio. Protege e nunca abandona filhote. Rola de barriga pra cima quando faz sol. Se defende atacando. Só mata pra sobreviver. Isso tudo sem pensar, tá? Bicho-homem, não. Pensante por natureza, é domesticado desde pequenininho. Não faça isso! Não toque naquilo! Isso não pode! Assim, não! Tire o dedo do nariz! Não coloque a mão na boca! Não coloque a mão na bunda! Não diga bunda! Não mexa! Não corra! Não! Nos almoços de domingo, aqueles que aglutinam toda a família na casa da vovó, a tragi-comédia se repete. Todos chegam sorrindo. Um sempre sai chorando. O episódio sempre se desenrola entre o nhoque e o pudim. Mas, você vai aprendendo. Porque é inteligente. Pensa. >Aprende tão direitinho que, no dia em que seu amiguinho te enche o saco, você joga areia na cara dele. Vocês rolam pelo chão até que as mamães corram pra separar. Vocês se levantam, esfolados. Narizes e cotovelos sangrando. - Anda! Fiquem de bem! Ele olha fundo nos seus olhos. Você seria capaz de pegar o fio de ódio com as mãos. - Quero ver! Fiquem de bem agora! sua mãe insiste. Pateticamente, vocês entrelaçam os dedos. Seu mindinho e o dele ali, numa aliança pós-guerra. Puxando o dedo a raiva tem que passar. Mas você pensa muito rápido nesse momento e isso não pode ficar assim, que desaforo! Puxa o dedo dele com toda força, torcendo, puxando pra si. Os dois se engalfinham de novo e só param quando percebem que continuam apanhando, mas agora na sala de suas casas. Virou surra de mãe. Pra aprender. E o aprendizado do Homem nunca termina. Sua vida é repleta de conhecimento. Só é estranha a maneira como ele se divide, suas facções. Tem gente que descobre vacinas. Tem gente que aprimora venenos. Um deles inventou a bomba hidráulica. Outro inventou a bomba-atômica. Inventaram a farsa, o teatro. Um jeito de mostrar pro mundo as várias faces que se pode ter. A verdade travestida de mentira. Aplausos no final. Tem bicho que entra em extinção, tamanha matança que o Pensador promove. Bicho-homem, não. Por mais chacinas que ele providencie, a densidade demográfica vai sempre pro alto. E avante. Estão clonando os bichos, é verdade. Reproduzindo animaizinhos em escala industrial. Agora a meta é clonar o inventor do clone. Pra um clone clonar o outro é um pulo. Quem viver verá. Mas essas diferenças não tem muita importância. Tinham quando o Homem se relacionava. Hoje, não mais. O negócio é todo feito por cabos. Satélites, criptografia, mensagens. Ninguém mais precisa sair gritando por aí pra humilhar, ofender. Nem pra fazer carinho. A tecnologia deu conta disso também. Adicionar ou Deletar, questões modernas, coisa de clique. Admirável mundo novo, como previu um livro que hoje é considerado velho. De outro século, exatamente. Estou quase entregando os pontos, devolvendo meu diploma de racional. Nessa brincadeira de um dia ser bigorna pra no outro ser martelo, a gente perde muitos pedaços, vai ficando manco, perde o pelo e o brilho. Igual aos bichos, mesmo. Já que a comparação é inevitável, vou embarcar nela de vez. Igual gato escaldado, vou rolar na grama de barriga pra cima. Aproveitar o sol. Ofereço meu dedinho pro mundo, cansei de brigar. Tô de bem. |
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