COISINHA
À TOA
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Luís
Valise
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Uau! (Foi um choque!) Que gato! Parada no farol eu finjo não perceber o olhar insistente do ocupante do carro ao lado, mas com o rabo do olho (falando em rabo, esse eu derrubo com uma requebrada!, hehehe) não perco um movimento do monumento suplicante. Amarelo. Arrisco uma olhadinha. Ele sorri. Engato a primeira. Verde. Blunk! Deixo o carro morrer, esse cara me atrapalhou, até que eu dirijo bem, calma, você alcança ele, sua boba, embreagem, giro a chave, jóia, solto a embreagem e lá vou eu atrás do gato como quem nada quer (ah! essa nossa raça...). Vou seguindo o carro importado, classudo, reluzente, imaginando quem o estará dirigindo. Pelo pouco que eu pude ver acho que é liberal. Advogado não, muito relax pra isso. Engenheiro também não, mais atrevido que calculista. Se eu virar a próxima à direita e ele seguir reto acho que ele morre! Viro. Rio baixinho, com gosto, imaginando o desespero do semi-deus também virando à direita bem lá na frente, em seguida pegando novamente à direita, voltando aflito. Paro no cruzamento e espero. Quando o carro dele aponta no meio do quarteirão eu avanço um pouco e paro defronte uma farmácia. Desço sem olhar para trás e entro. Finjo escolher escovas de dentes dando tempo a que ele se aproxime. Péra aí: o cara tá demorando muito. Disfarçadamente vou até a porta, olho pra rua e não vejo seu carro! Isso, sua idiota, brinca, abusa, teu fim é ficar sozinha, mesmo. Vontade de me estapear! Chego em casa arrasada. Que homem! Como eu fui fazer uma babaquice dessas! Vai, sua besta, vai ver novela, que é o que você merece! Agora, pensando bem, se eu repetir esse mesmo itinerário tenho chances de vê-lo novamente. Esse pensamento me acalma, e como canta a Marisa, me ajuda a viver. Nossa!, coitada da filha da Vera Fischer, careca, o câncer é fogo, Deus que me livre! TRIMMM! TRIMMM! TRIMMM! Isso lá é hora de telefonar, será que essa gente não vê novela, porra? ALÔ! A voz é grossa, cheia, rombuda: - Teresa? Meu Norton varre a memória e não identifica a fonte. Adoço, intuitivamente: - Quem quer falar? O som vem redondo: - Gregório. Precavida, sem engrossar: - Não conheço. Dá pra sentir o sorriso: - Da BMW verde-escuro desta tarde. Você parou na farmácia, eu tive que seguir. Desconfiando, com simpatia: - Como você descobriu meu telefone? Dominante: - Depois eu te conto. Deus existe! Deus existe! Desculpe, meu Deus, das vezes em que duvidei de Ti! O peito muito pequeno pra tanta alegria, click! tchau José Mayer, você é bom pras tuas negas, galã pra mim só em carne e osso! Amanhã, Teresa, amanhã será o primeiro dia do resto da tua vida! Acho que nem vou conseguir dormir. Dormiu. Como era de se prever, o dia seguinte foi o mais longo dos dias. A ansiedade era um chumbo nos ponteiros do relógio. O negócio foi meter a cara no trabalho, furiosamente, pra não ter um piripaque. Seis horas: tchau e bença! As amigas na maior torcida: capricha, Tê! Cuidado, não vai assustar o homem! Pega leve! Ela não tinha certeza da sinceridade dos conselhos, se mandou rápido. Fresquíssima depois do banho, pensou: o carro classudo pede discrição. O tubinho preto tinha um efeito instantâneo, acima dos joelhos bem torneados, o tecido leve, tomara-que-caia, os ombros morenos de sol, te cuida, Gregório! Entrou na BMW sentindo a colônia agradável, aconchegou-se no banco de couro, olhou o perfil mais bonito que o imaginado, percebeu a firmeza na direção, a ausência de barriga, a justiça tarda mas não falha! Deixaram o carro com o manobrista e entraram no Bar "da hora", ignorando a fila de mortais. Na mesa, frente a frente, ela se esforçou ao máximo para aparentar naturalidade, como se fosse natural estar com um homem daqueles. Ele pediu que o tratasse por Greg, e perguntou se podia chama-la Teressa, mais de acordo com a maciez da sua pele. Ela ria, concordava, fazia charme, queria um beijo, queria um beijo!, mais tarde, pensava, mais tarde. Os drinks chegaram, ele fez um brinde espirituoso, inesquecível mesmo, se ela tivesse ouvido. Siderada, ausente, chapada, ela só tinha olhos para a mão que segurava a taça. Morena, corrente fininha de ouro no pulso, segurava a taça com o mindinho em riste, desafiador. Um mindinho com a unha comprida, dessas que imaginamos servirem pra limpar os ouvidos, sei lá, longa, grossa e lustrosa como a carapaça de um besouro albino. Aquela unha comprida ficou grudada na sua retina, e quando ele perguntou se ela se sentia bem ela disse não. No carro, ela não conseguia segurar o choro. Falou da mãe numa clínica para idosos terminais, falou no tumor nos ovários recentemente descoberto, mentiu todas as mentiras que conseguiu imaginar e nunca mais o viu. |
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