Tema 008 - MINDINHO
BIOGRAFIA
PONTO DE VISTA
Lena Chagas

Desde quando não sei, mas já faz muito tempo que associo o dedo mínimo - mais que qualquer outro da mão - à personalidade da pessoa. Isso quando lhe é dado destaque, seja através de anéis ou de algum gesto peculiar ou de alguma utilidade em especial.

Não tenho estatística, pesquisa, nem estudos a respeito,  apenas observação. A variedade de tipos e estilos dessas pessoas é tão grande, que qualquer tentativa de interpretação, cairia por terra.

Dessas observações, lembro de algumas situações marcantes:

Chuva torrencial, calor infernal, hora marcada no médico e o táxi chamado não chegava nunca. O jeito foi pegar o primeiro que passava na frente do prédio.

Assim que entrei senti o drama: sem ar condicionado, jornais molhados espalhados pelo chão, janelas fechadas, vidros embaçados, sensação térmica de 40 graus... Sem opção: até o outro lado da cidade.

O motorista, uma figura: camisa meio molhada e quase toda aberta, calças arregaçadas até o joelho e um palito que dançava de um canto ao outro da boca. No pescoço, um trapo úmido e sujo com que limpava os vidros e refrescava a sua nuca. No dedo mindinho, um anel com uma enorme pedra vermelha.

Metade do caminho e ele, suado, cantarolava, entre os poucos dentes que lhe sobravam, a música que tocava no rádio; parecia feliz. E eu, derretendo, tentava não surtar.

Outra situação não menos espantosa, mas particularmente repugnante, eu vi a uma boa distância, felizmente.

Aguardava o almoço num restaurante do Mercado Público. Parte superior. Visão aérea, portanto.

Encosta um caminhão na porta de uma casa de carnes. Logo aparece meio boi sendo carregado por um homem de macacão branco, todo manchado de sangue.

Depois de pendurar a carne num dos ganchos do açougue, ele apoia-se no balcão e eu passo a não crer no que vejo.

Com as mãos ainda sujas, ele coloca a imensa unha cultivada no mindinho, dentro do seu nariz.  Ela entrava vazia e depois de alguns movimentos por lá, saía cheia de meleca, que ele descarregava no macacão ou jogava longe, com a ajuda de outra unha, bem mais curta.

Ali ficou ele, até terminar a limpeza do seu nasal. E eu desisti do almoço.

Também desisti de entender o que leva alguém a segurar uma xícara de chá ou cafezinho, um copo ou uma taça, com uma bebida qualquer, e esquece de levar junto, o dedo mindinho.

Esquece ou deixa ele lá, teso, apontado para o nada, de propósito?

Quem se arrisca:

-  Viadagem?

-  Frescura?

-  Questão de personalidade?

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