CORAÇÃO
DE ILHÉU
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Larissa
Schons
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Não recordo muito bem a data exata, mas o fato é que nunca esquecerei a conversa de duas moradoras locais com uma repórter de uma emissora nacional. Às gargalhadas as duas diziam para a repórter coisas inadmissíveis sobre a nossa figura folclórica mais querida, o manezinho da ilha. Lembro-me como se fosse hoje a minha decepção quando ouvi a mulher dizer que mané era aquele cara que não sabe o que fazer, já a sua amiga foi mais enfática disse que mané era vagabundo e ponto final. - Mas olhó olhó olhó! Tás pensando o que ó sua dona. Ilhéu tu não és, tás sabendo? O típico manezinho da ilha sabe muito bem o significado de tão ilustre expressão. Para um melhor entendimento da questão, fiquem sabendo que o manezinho é uma figura folclórica, que com seus costumes e modo de falar, caracteriza nossa terra, colonizada por açorianos, longe de serem os manés que a gíria satiriza, que com um ecletismo inovador mistura ritmos e fala da natureza e dos problemas do cotidiano sem deixar de lado a poesia. - Tás vendo ó sua dona? Pensavas que mané era vagabundo, ó mofas com a pomba na balaia! Meu avô que o diga, manezinho do Canto dos Araças tinha as suas histórias pra contar. Conhecia Floripa de ponta a ponta, e como todo típico manezinho vivia suas tardes jogando dominó, lendo jornal e proseando com os outros ilhéus nos banquinhos da praça XV de novembro, sempre claro com a proteção da velha Figueira que refugiava-os dos raios solares. Quando não passava o dia contemplando a abençoada figueira era porque estava entretido com os peixinhos da lagoa. A nossa formosa Lagoa, iluminado Zininho, era o cantinho que vovô mais se identificava. Ali ficava horas pescando e ouvindo o cantar dos pássaros. - Ó sua dona, por um acaso sabes o que é um entardecer na Lagoa? Estepô! Estepô! Deixemos a guerrilha de lado, continuemos a desvendar a figura mais querida. Manezinho que é manezinho não deixa de falar sobre a culinária local. E o meu avô não só falava como vivenciou um episódio pra lá de inusitado. Em um restaurante da Lagoa, certo dia meu avô passou por uma situação tipicamente manezinha. Pediu para o garçom o prato mais tradicional da casa, conversa vai e conversa vem, manezinho que é manezinho é bom de lábia, vovô conseguiu um prato caprichado, saboroso, cheiroso que só vendo. Pois é, o prato era uma iguaria e tanto. O garçom olhava com a cara mais desconfiada possível o meu avô comendo com o mindinho a tradicional moda da casa, como que se estivessem apenas ele o pirão e a tainha em um ritual sagrado. Indignado o garçom dirigiu-se à mesa do meu avô e não se contendo esbravejou um sem parar de palavras. Meu avô olhou o garçom esticou o dedo mindinho, tascou de uma só vez o pirão d'água, lambeu os beiços e disse: - Olhó olhó olhó tás tolinho tás? Não obtendo resposta levantou novamente o mindinho oferecendo: - Ó! Se qués qués, se não qués diz! - Ó sua dona, percebes agora o que é ter um coração de Ilhéu? Ó que lindinho! |
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