Tema 008 - MINDINHO
BIOGRAFIA
CINCO DEDOS DE PROSA
Flávia Cintra

Quando era criança, meu avô José me pegou pelas mãos magras e me ensinou o nome destes meus dedos ainda finos de pianista:

- Presta atenção nos nomes dos dedinhos, "Flaviá": mindinho (crec!)...

- Aaaaaaiiiiii, Vovô! Vai quebraaaaar!

- ... seu-vizinho (crec!)... pai-de-todos (crec!)... fura-bolos (crec!)... e mata-piolhos (creeeeec!).

- Aaaaaaiiiiii! Aaaaaaiiiiii! A mamãe disse pra não fazer isso porque as juntas vão engrossar, Vôôô!

E ele ainda não tinha acabado:

- Vem cá que tem mais. Dá aqui a mão. Tá vendo essas divisões de cada dedinho?

- Hã...

- Falange... falanginha... falangeta! Aprendeu? Repete: falange... falanginha (crec!)... e falangeta (creeeeeeec!).

Aprendi, Vovô, aprendiiiiiiiiiii! Quando ouço falar em falange (falange proximal), falanginha (falange medial) e falangeta (falange distal), adivinha de quem eu lembro?

Mas voltemos aos cinco dedos.

O dono do pedaço, na minha cabeça, era (e ainda é) o pai-de-todos. Ele não parece o chefe, o síndico da mão? Está lá, todo importante, olhando os outros dedos por cima. Metidão, esse pai-de-todos, cujo verdadeiro nome é, na realidade, dedo médio. Sem dúvidas, a alcunha pai-de-todos faz dele bem mais poderoso.

A mulher do pai-de-todos é o seu-vizinho (que deveria se chamar dona-vizinha). É nele que a gente usa o anel de noivado e o de casamento. E só. ("E num tá bom?", perguntaria o João Baptista). Parece que ele (ela) fica lá na mão o tempo todo suspirando pelo pai-de-todos. Ah, o nome dele é, na verdade, dedo anular. Só podia...

O secretário do pai-de-todos é o fura-bolos. Ele é pau pra toda obra, já reparou? Além de furar os bolos, ele é o dedo-duro, é o dedo indicador (ou índex, nome real... tá no Aurélio...), é abelhudo (já que se mete em tudo), é o dedo que você coloca no nariz, o que você usa pra tirar as casquinhas das feridas (tem até aquela expressão "colocar o dedo na ferida"), pra apertar o botão do mouse, pra tirar fotografias, tocas campainhas, pra ligar a televisão e o microondas, pra provar a cobertura dos bolos nas festas... e por aí vai. E como vai!

O fura-bolos trabalha muito sozinho, mas, como precisava de um auxiliar, eu acho que o pai-de-todos contratou o mata-piolhos pra ajudar em algumas tarefas importantes. Daí eles começaram: seguram juntos a caneta, dão partida no carro, seguram a chave pra abrir a porta de casa, abrem as cartas que chegam e, quando estão bem entrosados, contam dinheiro. E, juntos com o chefão pai-de-todos, executam a importante e vital função de fazer figa.

Tá certo que o mata-piolhos também trabalha sozinho às vezes: faz o "jóia", fornece a impressão digital e, claro, mata os piolhos. Mas ele, por ser gordinho (e me desculpem os gordinhos), não rende muito sozinho. E o nome dele é dedo polegar. Não sei por que, já que uma polegada tem 2,54 cm e o meu polegar tem mais de 4... Acabei de medir com a régua.

Agora, já o dedo mindinho, coitado... minguinho... meiminho... mínimo... (são tantos apelidos...), já pra ele, nunca consegui encontrar uma utilidade. Ele fica aqui, colado na mulher do pai-de-todos, tirando uma casquinha. Não pode ser filho deles, porque tem jeito de ser velhinho. É um encostado mesmo. Quando estão todos trabalhando juntos, cortando um pedaço de carne ou penteando os cabelos, por exemplo, ele finge que faz um esforço, mas não faz nada. Já reparou?

Mas isso era antes, da época em que o Vovô estralava meus dedos até ontem. Hoje, escrevendo esta crônica e com a ajuda do Aurélio (sempre ele), descobri, finalmente, uma função pra esse mindinho vagabundo: ele coça o ouvido! Tá lá, eu vi! O nome dele é dedo auricular!

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