SOSLAIO
É...
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Maurício
Cintrão
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Olhar de lado, meio sem olhar, fingindo não estar olhando, mas olhando. É aquele olhar proibido para o bumbum da morena ao lado da mulher. O olhar para o gatão enquanto o parceiro se ocupa da garfada no restaurante. O olhar de censura discreta de quem não aprova mas não pode fazer nada contra. Olhar de cobiça quando cobiçar é perigoso. Olhar de goleiro medindo as distâncias até as traves enquanto não tira os olhos da bola e do batedor do pênalti. As pessoas pensam que olhar de soslaio é meio-olhar. Nada disso! É olhar de gula. Olhar de quem quer ver tudo ao mesmo tempo e pouco vê de tudo. Mas vê de tudo e se dá por satisfeito. É um olhar espectral. Um olhar que vai do branco ao preto, passando por todas as cores possíveis de serem vistas. É o olhar intuitivo de quem não tem intuição. Fica só aquela impressão do olhar. E o que se vê pode ser muita coisa, menos a imagem definitiva. Canso de olhar de soslaio e tenho as mais diversas surpresas. Enxergo o que não há. E me deleito com o que imagino. Melhor olhar por fantasias do que por imagens simples que qualquer um vê. É um olhar sôfrego, quase preguiçoso. Porque o diretor de cena imagina o enredo das imagens que lhe faltam. Foi de soslaio que vi meus filhos juntos pela primeira vez. Não podia mostrar interesse mas estava todo interessado. E foi aquele trio magnífico que encantou minhas noites seguintes, enquanto aguardava ansioso pela decisão do juiz. Foi de soslaio que enxerguei meu destino mas, indisciplinado, subverti o que vi, mudando a história para melhor. Hoje, são eles que me olham meio de lado quando, nervoso, dou os esculachos regulamentares de pai que fica bravo. Invariavelmente, quando bronqueio com um, os outros olham de lado, medindo a repreensão ao outro e torcendo para não sobrar nenhum respingo. Às vezes sobra, porque eles aprontam em conjunto. Desde que chegaram, agem juntos. E brigam feito bichos. De soslaio, observo disfarçando (e divertido) o mal estar do ficar sentado de castigo deles que tanto experimentei quando pequeno. E ralho quando desrespeitam o que foi determinado, pensam que não estou vendo e se assustam. Devem se perguntar como consigo ver tudo. Não vejo tudo, imagino. E vou tocando a vida, porque alguém sempre está olhando de soslaio, sempre. Que me imaginem bem, pois. |
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