O
RALO DO CASTELO DOS JOJEBA
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Felipe
Lenhart
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A
burguesia arrancou da família o seu véu sentimental Os Jojeba funcionaram por longo tempo, pelo que sei, 15 anos. Dos três meses de idade até os quinze, calculo, tudo foi muito bem obrigado. Família unida, todos riem e se abraçam, família bonita, todos lindos e todas princesas, família correta, Papai Noel, Coelhinho da Páscoa e Jingle Bell. Aos 18, bateu aquela desconfiança. Um dia, descobri, num quarto, um ralo no chão, sob um tapete. Resolvi abrir o secreto ralo do castelo dos Jojeba. Danou-se: de dentro desse ralo subiu um odor terrível, coisa medonha e pestilenta. A tendência, lógico, foi se afastar, correr para longe. Mas não pude. Os bons costumes e a política da boa vizinhança e do apaziguamento não permitiram. (Como diria o Paulo Francis: meninos, esta política, é bom lembrar, deu numa Grande Guerra, num Hitler enérgico e cabra-macho, um pseudo-gênio desmiolado que brasileiro teima em adular aliás, Paulo Francis estaria certo, o autor de Mein Kampft sempre foi bem-vindo no Castelo dos Jojeba.) Bom. Compra-se máscaras no camelô mais próximo, encharca-se de perfume, devora-se livros, livros, livros válvula de escape para o fedor agourento , em vão. Afinal, somos burgueses sem religião. É fácil saber por que funcionou tão pouco tempo. Há famílias aí que, ao menos de longe, duram séculos e parecem normais. Não os Jojeba. Seu castelo parece ruir ligeiro, roído por traças e por certas toupeiras que teimam em surgir do nada, em plena sala de jantar. O problema são as crianças, pequenos fidalgos e princesinhas ilustres. Escondeu-se o ralo misterioso com presteza, bem longe dos olhos ágeis da curiosidade infantil. Um dia, como disse, eu o descobri. Suspeito que os outros, os mais velhos, há muito o haviam descoberto, sentido seu mau cheiro e se rebelado. Como não, foram os primeiros a debandarem! Sim, com o correr das datas oficiais que se celebravam no castelo, os meninos mais velhos iam ficando cada vez mais ausentes. Desculpas esfarrapadas viravam motivos inquestionáveis e compromissos inadiáveis. E eu me perguntava por quê. Os Jojeba, ao contrário de Machado, o bom gaguinho, deixaram aos herdeiros naturais o legado de toda a sua miséria. Os Jojeba são de uma pobreza intelectual desgraçada, digamos que, em outros termos, um bando de emergentes. Tudo o que tiveram a ensinar aos filhos foram os rudimentos da educação, pitadas de racismo, uma dose exagerada de machismo, nada de literatura, pouco ou nada de política. Bastam-lhe Hollywood e um som que nem o dos Beegees. Os rapazotes cresceram acreditando piamente que o homem deve mandar, que a mulher deve ser prendada nas artes da cozinha e da resignação, que Deus merece um pronome diferente no Pai-Nosso e que a política se resume ao clientelismo e ao paternalismo. Nunca foram abastados como em outros reinos, mas para tudo se dá um jeitinho em Terra Brasilis. Os Jojeba, em sua árvore genealógica, são todos arianos. O sangue negro veio muito depois, não sem uma relutância ranheta por parte das senhoras e senhores saudosos do Velho Mundo. Como no Henrique III, (de quem os Jojeba nunca ouviram falar), as intrigas ficaram insuportáveis no castelo, tão logo se abriu a caixa de Pandora que escondiam sob o tapete. A mentira, que toda a gente pensa ser traquinice de moleques, toma outra dimensão na boca de um Jojeba adulto. Depois de velhos, continuam moleques! Quieta, ela pula de boca em boca, percorre as linhas telefônicas mas nunca chega aos ouvidos então insultados. Pequenas conspirações, dignas do corcunda do Bardo, afloram em reuniões secretas, as mais disparatadas suposições e conjeturas são formuladas. Dos pecados capitais, talvez a luxúria seja o único deixado de lado, e a inveja, o mais dissimulado. Renato, Marx, Caetano, Assis, Chico e Shakespeare. Só com essa pequena ajuda pude entender um pouco mais de minha família. Só desse jeito, mirando-a de soslaio, posso verdadeiramente amá-la. Os Jojeba, nem Freud explica. Assim me disse o pequeno Antenor, em uma carta. Assim o homenageio. |
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