Tema 007 - SOSLAIO
BIOGRAFIA
DESCULPEM-ME
Beto Muniz

Sou obrigado a me desculpar com meus três leitores! Tudo porque assumi um compromisso que não posso cumprir. Prometi que escreveria uma crônica sobre qualquer tema que os Anjos de Prata escolhessem, mas não vou cumprir a promessa. Culpa do tema escolhido: Soslaio.

Pessoalmente não considero este um bom tema para crônicas e não vou escrever. Desculpem-me! Tenho dificuldades com o soslaio. Sempre que encontro essa palavra no canto de alguma página, seja ela de livro, de jornal, de revista, de folhetim ou de bula, recordo o meu velho pai, numa época em que ele não era tão velho e eu, bem menos que um menino. Agora, ao ver o tema proposto, deixei escapar recordações de quando eu era criança. Nelas meu pai é a única pessoa, no mundo todo, que olha de soslaio. Acredito até que soslaio foi uma palavra criada para determinar essa peculiaridade paterna: um olho em mim e outro no versículo quinze do capítulo onze de algum livro profético de sua bíblia surrada. Eu brincava enquanto ele lia parábolas.

Com uns sete anos de idade eu já sabia que devia mudar o rumo da arte e da prosa (às vezes mudar até de quintal e brincar no vizinho), ou maneirar na brincadeira quando meu pai tirava um olho da bíblia, botava o dedo indicador marcando o versículo e franzia a sobrancelha. Com o olho fora da bíblia e a sobrancelha franzida (por alguma razão ele sempre estava de perfil e por isso eu não via o outro olho), ele passava a acompanhar meus movimentos. Então eu ia parando, me calando até assumir de vez a posição de estátua. É que o soslaio do meu pai, além de assustador, tinha o mesmo poder de um freezer espiritual. Congelava minha alma. Mas não foi sempre assim. Lembro que a coisa toda tomou essa forma assustadora durante uma farra domiciliar. Eu e minha irmã mais velha estávamos em plena algazarra quando ela falou a palavra fatal:

- É melhor parar... O papai está olhando.

- Não está...

- Está sim, de soslaio.

Eu não conhecia muitas palavras, meu vocabulário era tão extenso quanto meu tamanho e, por não saber o que era soslaio, a palavra assumiu várias formas na minha imaginação, até tomar definitivamente a forma de doença. Então, soslaio passou a ser tão aterrador quanto câncer, que levou meu avô. "Meu pai com soslaio". Isso era terrível! Logo meu pai, a pessoa que eu adorava e tinha como ídolo? Não podia ser o pai do Pedrinho? Até meu tio que morava em São Paulo e me presenteava todos os Natais podia estar o tal de soslaio. Sim, meu tio podia, eu não me incomodava de nunca mais ganhar presentes... Mas o meu pai? Papai não!

Rezava todas as noites, antes de dormir, para que meu pai sarasse do soslaio e no dia seguinte, só para saber se Deus tinha ouvido minhas preces, confirmava com minha irmã:

- Papai ainda está de soslaio?

Ela que fazia as vezes de minha babá e me queria quieto, comportado, alimentava:

- Está.

Foi então que eu comecei a me rebelar contra Deus. Se Ele não podia curar o soslaio do meu pai, eu também não precisava mais acreditar Nele.

Bem mais tarde, adolescente, eu vim a descobrir o que era o tal do soslaio (demorei por opção psicológica), mas ele já estava marcado para sempre em minha mente, e Deus quase apagado dela. No meu dia-a-dia de adulto não tenho convivido com o soslaio que tanto atormentou minha infância. Acho até que o tenho evitado, mas ele reapareceu como tema de crônica. Não culpo os Anjos de Prata pelas agonias que esse tema ressuscitou, só acho que não é um bom tema e peço que me perdoem, pois eu não consigo escrever uma crônica sobre soslaio.

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