FELIZ
ANO BOM
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Felipe
Lenhart
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Diferente dos atores e atrizes de TV, âncoras e apresentadores globais, chego ao fim do ano 2000 (último calendário do século, veja bem) com mais dúvidas do que quando o iniciei. Mas eis a novidade, eis que nasce um novo milênio, porém, como diz Eduardo Galeano (sempre ele), "não dá pra levar o assunto muito a sério. Afinal, o ano 2001 dos cristãos é o ano 1379 dos mulçumanos, o 5114 dos maias e o 5762 dos judeus. O novo milênio nasce num primeiro de janeiro por obra e graça de um capricho dos senadores do império romano, que um bom dia decidiram quebrar a tradição que mandava celebrar o ano novo no começo da primavera. E a conta dos anos da era cristã deriva de outro capricho: um bom dia o papa de Roma decidiu datar o nascimento de Jesus, embora ninguém saiba quando nasceu. O tempo zomba dos limites que lhe atribuímos para crer na fantasia de que nos obedece; mas o mundo inteiro celebra e teme essa fronteira. Poderia encerrar esta crônica, ao que parece, sem mais palavras. Mas descubro algumas coisas neste segundo parágrafo, final do II Milênio. Por exemplo, dou-me conta de que todo o assunto que me vem à cabeça, e que resolvo transformar em texto, passa, invariavelmente, pelos livros do Galeano. É incrível, porque quando vejo, leio ou ouço fatos e histórias lembro do Século do Vento, ou De Pernas pro Ar, ou Ser como Eles etc. Constato, com um surto de orgulho, que a leitura que mais absorvo, que mais guardo, que mais me fascina e me endiabra, é a deste jornalista dos tempos, repórter lírico da memória. Bem, relembro ainda Machado de Assis, outro jornalista, e adapto uma de suas crônicas, datada de 05 de janeiro de 1896. Façamos de conta que ele dialoga com este 2001 que por hora se apresenta: "Quisera dizer alguma cousa a este ano de 2001, mas não acho nada tão novo como ele. Pode responder-nos a todos que não faremos mais que repetir os amores contados aos que passaram, iguais esperanças e as mesmas cortesias. 'Não me iludis, - dirá 2001, - sei que me não amais desinteressadamente; egoístas eternos, quereis que eu vos dê saúde e dinheiro, festas, amores, votos e o mais que não cabe neste pequeno discurso. Direis mal de 2000, vós que o adulastes do mesmo modo quando ele apareceu; direis o mesmo mal de mim, quando vier o meu sucessor.' Para não ouvir tais injúrias, limito-me a dizer deste ano que ninguém sabe como ele acabará, não porque traga em si algum sinal meigo ou terrível, mas porque é assim com todos eles." Dito isto, creio que resumi meus reais sentimentos tomando emprestadas menções e declarações alheias. E, assim, desejo ao mundo um Feliz Ano-Bom, que é para não perder o tom saudosista. No fringir dos ovos (expressão do século passado, convenhamos), quando o leitor deitar olhos nesta página ela já estará ultrapassada, e já estaremos de folhinha nova. E até o III Milênio. |
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