CARINHAS
DO MILÊNIO
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Maurício
Cintrão
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Há caras para tudo. Cara de bobo, cara de besta, cara de sono e cara de alegria. Mas as caras que mais têm me interessado ultimamente são aquelas carinhas de salas de bate-papo. Os provedores até oferecem a alternativa de não usá-las, mas eu acho um crime bater-papo sem carinhas. Elas ajudam a exprimir o momento da conversa, permitindo economizar letras. Pudera tivéssemos essas carinhas nas situações sociais do dia-a-dia. Eu daria menos foras se contasse com esse recurso. Tenho a mania incurável de ser irônico nos momentos críticos e isso já me rendeu alguns problemas. Por exemplo, chega o colega de trabalho com o pé engessado e eu falo: "legal, heim?!". É um jeito de falar ao contrário. No meu gozozol, isso significa "puxa, que chato!". Mas nem todo mundo entende. Se contasse com um arsenal de carinhas de bate-papo, coisa ligeira, assim como aquelas máscaras de baile, usaria a mesma frase irônica conseguindo os efeitos desejados com uma expressão, digamos, preocupada. Porque não tenho o talento de uma Fernanda Motenegro para controlar os músculos faciais. Normalmente, falo com cara de safado. E minha cara não tem lá muita graça. Penso também naquelas situações de bar, em que determinada pessoa olha para a outra e, sofrendo da mesma falta de recursos dramáticos que eu, pisca tentando flertar e mais parece alguém com cisco no olho. Ou daquele amanhecer escabroso, com dor de cabeça e ressaca, em que você entra no elevador da empresa e encontra o chefão que vem subindo da garagem privativa. Fala bom dia, mas a cara é de "poxa, que saco, justo você!". Com uma carinha de "tomando sol" ficaria simpático e disfarçaria o mau humor. Assim também poderia ser nas discussões de trânsito. Ninguém precisaria abrir o vidro do carro. Era só içar a carinha presa no forro da porta, assim, com um mecanismo semelhante ao do vidro. Cric, cric, cric e apareceria aquela bolachinha mostrando os dentes, com raiva. Pronto, ninguém se xinga e ninguém bate o carro porque estava xingando o vizinho e não viu que o coitado da frente parou. Com carinhas, também não sai tiro, nem facada. Melhor ainda: o uso das carinhas poderia permitir o resgate da linguagem das histórias em quadrinhos, mas, desta vez, em pequenos cartazetes. Ao invés de filho disso ou vai tomar naquilo, teríamos uma infinidade de balõezinhos ilustrativos com "grrrrrrs", "grunfs", "bluarghs" característicos. É por isso que inicio aqui uma nova campanha. Vamos fazer com que o mundo se comunique melhor e sem tantos traumas. Vamos adotar a síntese de linguagem dos bate-papos. Para 2001, eu quero carinhas. Mesmo que isso implique, vez ou outra, no risco de ouvir aquela pergunta idiota: "de onde vc tc?". Ah, aí eu desconverso, ou uso uma carinha de dentuço bobo e mudo de sala, quer dizer, de lugar. |
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