Tema 005 - QUERO CARINHAS!
BIOGRAFIA
QUERO CARINHAS
Beto Muniz

O bode berrava em Fá.

Pode parecer que brinco, mas o bode berrava afinadinho... No tom certo e ainda tremia o rabicho. Eu estava na fazenda de amigos, no interior de Minas Gerais, e confesso que o marasmo do campo estava me dando nos nervos. Nada acontecia que pudesse fazer as horas correrem. Depois do oitavo dia já tinha feito tudo que se faz numa fazenda; até andar a cavalo, coisa que nunca imaginei fazer. Parecia um vaqueiro do velho oeste. Isso após a cavalgada, quando passei a andar com as pernas abertas, com as virilhas assadas... Detalhes.

Chupei laranja no pé, dois cortes transversais e a laranja se abria em cruz, era só comer e cortar outra. Gostei da brincadeira, nunca comi tanta laranja num só dia. Amoras! Quantas amoras um sujeito consegue ingerir numa só tacada? Bati todos os recordes.

O riacho era diversão à parte. A água geladinha e transparente em nada lembrava os córregos paulistanos. Descobri que se pode nadar e pescar nos córregos de Minas. A pescaria (pescaria é modo de falar) poderia ser considerada divertida, se tivesse levado um repelente para insetos. Quantas espécies voam? A mim parecia que até formiga voava. Era uma nuvem constante sobre minha cabeça e os voadores se revezavam no ataque. Acho que perceberam que era sangue novo no barranco e combinaram cada qual tirar um tiquinho, todos saíram satisfeitos. Até os peixes, que não foram pescados por incompetência desse que vos escreve, saíram felizes. A cada tapa no pescoço, rosto, testa e demais partes descobertas de roupas, a isca voava para fora d'água. Os peixes devem ter descoberto facilmente minha armadilha na ponta da linha... De nada adiantou a suculenta minhoca acenando para eles. Peguei um girino, mas foi com uma caneca velha feita com lata de óleo. Não valeu.

Dormir se dormia com as galinhas. Antes eu diria que dormir com as galinhas era passar a noite com garotas de corpo fácil. Descobri que não é nada disso. Quando o sol se punha por detrás da serra, as galinhas se empoleiravam nos galhos do terreiro para dormir. Antes que a escuridão chegasse por completo, já não tinha mais nenhuma galinha no chão. O povo da fazenda tem o costume de dormir ao mesmo tempo em que elas, as galinhas empoleiradas. Isso porque levantam antes do galo cantar... Desconfio que um dos moradores acordava o galo só pra ele fazer aquela cantoria que não me deixava mais dormir. Uma hipótese a ser verificada na próxima visita.

Beber leite na teta da vaca eu não aceitei! Mas beber o leite espumante, tirado da teta direto pro canecão (também feito com uma lata de óleo), eu fui quase que obrigado a experimentar. E gostei. Gostei mesmo! Tanto gostei que o único prouvesse em levantar cedo, era para fazer o ritual do leite. Pegava o canecão, colocava um pouco de café coado na madrugada e ia para o curral. No primeiro dia deu uma diarréia tímida, mas nos dias que se seguiram o estômago foi se acostumando. Teve que se acostumar com a culinária toda, pois a dona da casa tem por costume carregar na pimenta. Quando reclamei - timidamente - ninguém concordou comigo. Calei-me e fui buscar água para acompanhar a refeição. Aliás, quase não aceito comer do frango que foi morto na minha frente. Estava conversando com o dono da casa, quando ele pegou uma espiga de milho e debulhou, jogou o milho no chão, aos seus pés, e um monte de galináceos se ajuntou para disputar os poucos grãos. Ele olhou para mim e perguntou qual deles estava mais bonito, apontei um frangão que já era quase um galo. Se soubesse o que viria a seguir, com certeza teria apontado outro, um feioso, magricelo... O homem deu um bote, parecia um bicho, agarrou o frango pelo pescoço e torceu. Ouvi o barulho seco de ossos se quebrando ao mesmo tempo em que o frango foi jogado de volta no terreiro. Ele se debateu por um tempo, enquanto eu me recuperava do assombro, depois foi se aquietando até ficar imóvel. Permaneceu abandonado (eu não me atrevia a perguntar o que seria feito dele), até que a dona da casa o pegou e jogou dentro do caldeirão de água fervendo. Deixou o coitado ali por um tempo e depois, conversando sobre amenidades, passou a arrancar as penas do pobre.

Uma delicia! Cozido com mandioca amarela, o frangão ficou delicioso. O magricelo feinho que eu apontaria, com certeza não teria o mesmo sabor. Mais uma vez acertei na escolha. Apesar da pimenta.

Quando já tinha feito de tudo um pouco e pensava não ter mais nada de novidade para acontecer, ouvi o bode berrando em Fá. Não era um berro qualquer, com um Fá acidental, era um Fá definitivo, acompanhando o refrão da música que tocava na sanfona. Pedi que o sanfoneiro repetisse o refrão. Bem no finalzinho o bode entrou novamente na canção. E quantas vezes o velho sanfoneiro repetiu o trecho da música, foi quantas o bode fez acompanhamento. Foi um achado. Diversão que avançou pela noite incomodando o sono das galinhas. Não era sempre que a fazenda recebia visitas e talvez o bode, dominado pelo marasmo dos dias e cansado das mesmas carinhas de sempre, tivesse encontrado um modo de encantar gente nova, um jeito de fazer amizade.

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