Tema 004 - O PÚCARO BÚLGARO
BIOGRAFIA
PÚCARO QUE PARIU
Rosi Luna

Meus ouvidos são testemunhas da tecla tão batida na infância. Não fale palavrão, não diga que não gosta de determinada pessoa, seja educada e ame a todos. Não consigo obedecer integralmente essa lição de família. De vez em quando escapa um púcaro que pariu.

Não posso ser explícita e mal educada, e tenho que disfarçar que não gosto de todo mundo que estaciona na minha vida. Tem horas que exagero. Gosto demais de pessoas que me são tão caras e talvez eu nada represente pra elas.

Ninguém me contou, pude sentir. Hoje existe um novo mêdo no ar. Não é um mêdo qualquer, é um mêdo de pessoas, de invasão de privacidade. Elas preferem manter a distância, se escondem como se estivessem protegidas por uma redoma de vidro.

Não posso falar nada, vivo me protegendo, tentando penetrar no mundo das pessoas aos pouquinhos, alguns me abrem a porta, outros fecham na minha cara. Não pedem nem licença, fecham e acabou, sem satisfação.

Tento entender as pessoas, tão frágeis, tão cheias de sutilezas, tão temerosas. Não chego a nenhum resultado pálpavel. Se tudo é efêmero porque não se abrir e deixar a luz entrar pelo interstício. Confesso: tenho mêdo, minha vida parece tão certinha, tão educada, tão sem palavrões, tão sem mudanças, tão sem púcaros e sem Bulgária, tão sem lugares desconhecidos. É tão prático tudo estagnado.

Tenho mêdo de quebrar o vaso, de quebrar o púcaro e ver o que tem no interior. Será que tem búlgaros lá dentro ou será pó de arroz? Púcaro búlgaro se isso não é palavrão, chegou bem perto. O que vale é que tenho mêdo de quebrar coisas e sentimentos.

E com o amor não conheço nada mais púcaro, como devemos amar as pessoas, como devemos agir, soltar um foguete, ou seria melhor guardar toda a sentimentalidade. Será que é certo sufocar calada. Deveria existir uma fórmula para se amar no mundo inteiro, poderíamos seguir. O mundo ia ser um grande coração pulsante.

Como será que as pessoas amam na Bulgária? Será que tem frio na barriga, ficam emudecidas, se olham no espelho se acham jovens e bonitas. Sim, porque o amor nos dá uma vestimenta, a gente parece que amanhece com células sorridentes, as rugas parece que fugiram, é uma cara de felicidade estampada.

A gente fica com cara de vaso com alça, como púcaro. E a alça serve para que alguém nos aperte com a mão e nos leve. Levar pra onde? Pra um lugar onde só há gozo, ânforas, púcaros e deleite. Nesse lugar tem corpos criando formas, conhecendo texturas sem mêdos. Quem ama tem cara de vaso e púcaro que pariu, não venha discordar das minhas argumentações que quebro um na sua cabeça.

Que Santa Rosa conserve a minha boa educação e a falta de palavrão. Não quero mudar nada, quero deixar tudo como está no seu devido lugar, tudo inteiro, estabelecido. Sou covarde comigo mesmo, tenho uns arranques de modernidade mas no fundo sou retrógada, sou um vaso barroco estacionado na sala da minha vida.

Não quebro vasos, prefiro deixá-los lá enfeitando e nunca mudo de lugar, sou muito conservadora. Mas ainda bem que o ser humano é cheio de contradições será que ainda vou quebrar um vaso, e logo o que um vaso importado, um tal de púcaro.

Mas deixa me olhar bem no espelho e ver como está minha fisionomia hoje. - Estou com cara de vaso. É um vaso com rosas vermelhas.

É desnecessário dizer que é um vaso lindo, as flores vieram de longe, da Holanda, da França ou quem sabe da Bulgária.

Púcaro que pariu, me perdoem o palavrão de novo, mas é duca... estar com cara de vaso...

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