MORTE
ANUNCIADA
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Lena
Chagas
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Morte anunciada. Tem dia e hora para acontecer. E, segundo o anúncio, terá a duração de 1 hora (morte lenta e gradual). Justamente na última hora do século, na última hora do milênio (há quem diga que já houve virada do século e do milênio. Portanto, há controvérsias!). O certo é que há uma sentença de morte decretada e publicada. Morte que será por desligamento dos meios que mantém o zumbi respirando, ou melhor, que o mantém no ar. Trata-se de uma sentença condenatória, arbitrária e unilateral, sem direito a defesa -muito menos a palpite!- por parte do dito-cujo e dos que o rodeiam. Deveras! Decreto é decretado e pronto! (Lembram? Pois é... parece que foi ontem!). Mas o moribundo terá o privilégio (?) de morrer junto com o século vinte e levar, de quebra, todo o milênio com ele! Acontecimento raro! Queixa-se de quê? Enquanto isso, definha e não reage... A cada dia mostra-se mais debilitado, acabrunhado, mais vazio e muito pouco visitado. "Jogado às traças", alguém falou; "Entregou os pontos", disse outro. Deixa transparecer, nos seus parcos sussurros, que perdeu a razão de existir. Sabe-se, realmente, que sua existência girava, e se alimentava, daquela razão. Existência curta mas palpitante que deixou muito para se recordar. Como um livro aberto, escancarava a todos todas as emoções que por ele passavam: risos, choros, alegrias, lágrimas, amores, desamores, paixões, decepções, esperas, encontros e desencontros e por aí vai... E parece que vai, mesmo! Nada, nem ninguém poderá impedir? Até tentaram, mas em seguida arrefeceram. Calor do momento, medo da perda? Parece que é por aí. Porém, ao vê-lo respirando nos primeiros minutos do prazo que lhe havia sido dado, houve até quem perguntasse: "Ainda por aqui?" "Vais morrer nas próximas 24 horas?" E a contagem regressiva começou... Foi de partir o coração! Mas o prazo se esgotou e ele ainda vive (ou sobrevive?). Para surpresa de muitos, da expectativa passou-se à indiferença, logo que uma data foi afixada na porta da frente. Ali, na entrada, pra não deixar dúvidas. Mas deixou! A primeira impressão foi a de que seria uma comemoração de fim de ano, com a razão (aquela razão de existir!) e a emoção, de mãos dadas. Todos juntos e todos sozinhos, ao mesmo tempo e no mesmo lugar, embora cada um no seu canto (ou ponta?). Porém, logo percebeu-se que se tratava da data fatal e não de um convite para um papo virtual. E tudo passou a ser espera. Espera pelo fim. Sábia decisão (divina?) a de não permitir, ao homem, conhecer a sua hora de partida. Para muitos, a vida seria uma contemplativa espera pelo dia derradeiro. De que lhes valeria qualquer esforço se o fim está logo ali, lhes acenando a cada amanhecer? Pelo visto, agimos assim também em relação a outros moribundos ou condenados a desaparecer, pois, estamos quase todos aqui, inertes, sem fazer nem isso, nem aquilo, acotovelados na janela que tanto nos fez vibrar, sonhar e que mudou o rumo de nossas vidas, por quase meio ano, simplesmente à espera do réveillon que a engolirá. |
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