O
PRESENTE
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Beto
Muniz
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Não sei quem inventou que o segundo domingo de maio seria o dia das mães. Sei que o cara era comerciante e decidiu a data pensando em vender panelas e cortes de tecidos. Tal decisão tornou urgente uma data similar para o pai. Afinal ele era (na época) o provedor da casa, e conseqüentemente, o responsável pelo pagamento das compras no começo de maio. Criou-se então o dia dos pais. Um dia em que o pai devia fingia surpresa ao receber meias e gravatas. Isso antigamente, pois hoje em dia o segundo domingo de agosto passa batido. Às vezes nem o sujeito pai se lembra que é seu dia. Ou seja, a segunda idéia não deu tanto lucro quanto o dia das mães. Deve ser por isso que logo em seguida criaram o dia dos filhos. Para disfarçar as intenções lucrativas em cima da família, batizaram como dia da criança. Colou. Considerando que o número de filhos é bem maior que o de mães, para o comércio isso representa mais presentes, mais compras, mais lucros. Melhor que o dia das mães. O primeiro brinquedo de dia das crianças que me lembro, foi um carrinho. Um belo carro de bombeiro vermelho. Desmontei no primeiro dia tentando desvendar mistérios naquele brinquedo de plástico. Por conta da curiosidade destrutiva fiquei sem brinquedo no natal, e para não reclamar a falta de um presente, meu pai me deu um gorro de couro. Tinha abas forradas com lã que protegiam as orelhas e fechavam no queixo. Serviu para amenizar o frio e os sopapos que minhas orelhas receberam na primeira série. Foi útil. Nas aulas de educação artística - ainda existe essa matéria?- um dos trabalhos do segundo semestre, pedia à aquisição de linha, agulha e um pedaço de couro ou napa. Recortei o couro e comecei a costurar uma bolsa, pequena, que a professora proibiu pronunciar o nome em sala. Nos dois dias de trabalho manual, empenhei-me com alegria e dedicação. Após alguns furos no dedo indicador, apesar do acompanhamento e instruções da mestra, finalmente terminei a costura e fiz um desenho. Era o presente do dia dos pais. A pequena bolsa para fumo, com um cachimbo gravado em fogo, ficou um primor. Porém, concentrado na tarefa escolar esqueci que meu pai era evangélico, não fumava e nunca fumou. Lembrei esse detalhe no sábado pela manhã. Antes não tivesse desenhado o tal cachimbo. A bolsinha teria então diversas utilidades. Aquele cachimbo era simplista, não deixava muitas opções e a gravação era definitiva. Estava perdido meu presente. Irremediavelmente perdido. Arrasado e já maldizendo a professora que fizera o desenho na lousa para todos copiarem, mostrei o mimo para mamãe. Mãe é mãe, merece mais que um dia no calendário. Ela entendeu minha angústia, ganhei duas notas com a cara do Santos Dumont para comprar algo mais adequado. Fui até o armazém "Secos e Molhados". Ainda não sabia a diferença entre o que era seco e o que era molhado dentro daquele armazém, mas eu queria algo seco, disso tinha certeza. O dono, o Sergipe, tentava ajudar o garoto de sete anos: - Um isqueiro prateado? Agastado com a tal bolsinha para fumo quase xinguei o pobre homem. Procurei por um presente entre os trecos tantos e nada me agradava. Uma faca de caça! - Quanto custa? - mostrando os dois Santos Dumont. - Quatro notas iguais a essas. - Essas duas notas aqui dá para comprar o que? - Quase nada... Um chapéu de palha. Serve? - Meu pai tem chapéu de feltro. - esnobei. - Uma caixa de lenços? É de marca. Presidente! - Não. Como se quisesse me apavorar, o Merceeiro avisou: - Escolhe logo que vou fechar. Afundei-me entre os cacaréus procurando um presente que custasse meus dois Santos Dumont. Achei. - Esse dá? - Dá e ainda tem troco! - O troco dá quantas balas? - Bastante... No dia seguinte, logo pela manhã, meu pai recebeu o embrulho malfeito. Abriu, sorriu e me deu um beijo agradecido, sinceramente emocionado: - Era tudo que eu queria. Um alicate. Era um alicate bem vagabundo, mas ali ninguém se importou com a qualidade. Foi meu primeiro presente de dias dos pais. Eu estava realizado quando saí para brincar na rua. Na porta, todo feliz, tirei uma bala da boceta que nunca foi entregue ao meu pai. A mim não fazia diferença ter o cachimbo desenhado num dos lados. Importava o conteúdo. |
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