SEM
ALICATE NÃO DÁ PRA SER FELIZ
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Alberto
Carmo
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- Ai, Zé! Vai devagar com esse treco. Tá pensando que a minha boca é um bueiro? Dentista com esse nome só podia dar nisso! E assim eu me vi livre do segundo siso - o primeiro eu perdi num beijo do tipo desentupidor de pia. O Zé arrancou sem piscar. Eu pisquei todos os meus olhos. Doeu pra dedéu e antes de sair do consultório eu ainda pude vislumbrar o olhar vitorioso do Zé, brandindo a espada na mão. - Ele venceu! - pensei, enquanto tentava acender um cigarro que cismava em não ficar quieto na palafita em que minha boca se transformou depois da anestesia. Diacho de boticão! Passei na "Amor em pedaços" e arrematei um tutti-frutti com duas bolas e calda de caramelo. O Zé me mandou tomar gelado. Dentista deve ganhar comissão de sorveteria. Babei o marshmellow. Ainda podia escutar os cracks, crecks, ircs, roars e vapts daquele alicate endiabrado que o Zé me aplicou à boca pequena. Eu mal gritei e CLANG, já era. Tomei no sorvete. A cabeça ficou pensa pra esquerda. Eu sempre tive uma tendência esquerdista. Eu até que votei no Lula, mas a eleição acabou justo quando eu estava pulando o muro. Deu Collor e eu desbotei. Minha esquerda ficou capenga e eu fiquei com uma cova na gengiva. Tomei o Lapa-C, que vai por Moema, emparelha na Faria Lima e finalmente cruza o disco final na Pedroso, via Pça. Panamericana e desci um ponto antes. Queria refletir na perda recém-adquirida. Odeio boticões. Tem gente que tem DNA de boticão. Só serve pra fazer serviço sujo, mas que precisa ser feito. Se o Zé não tivesse aquele instrumento como é que eu ia ficar? Com um dedo na goela certamente. Aí eu bendisse o maldito. Conheço alicates melhores. E piores também... Os piores já fabricados arrancaram umbigos e unhas, nas mãos de um bando de cabeças de bagre, que costumavam habitar quarteladas - que Deus lhes reserve o divino alicate. O diabo deve ter uma penca deles. Entre os melhores está o erótico alicate de unhas. Minha Santa Edwiges, quem resiste a uma cena dessas! Ela, só de toalha - só de toalha mesmo, uma no tronco e outra na cabeça - ali, aparando as unhinhas daqueles pés delicados, charmosíssimos. E com todo aquele poder de fogo que se vê a olho nu. Só de ver um desses na vitrine eu tenho sonhos eróticos à luz do dia e preciso ficar sentado num banco de praça por quinze minutos, no mínimo. E só levanto de lá com um jornal estrategicamente protegendo meus segredos, ou faço posição de barreira mesmo sem ter falta. Com certeza você já chegou em casa e ela, segurando um alicate na mão como se fosse uma batuta de maestro, disse candidamente: - Bem, troca a lâmpada pra euzinha? E você: - Mas porque o alicate? E ela, com a feição mais revoltada que Jece Valadão em discurso da Marta Suplicy: - É que eu fui lavar o teto e a lâmpada explodiu! - Como explodiu? Lâmpada não é traque, lâmpada queima! - É que eu dei uma mangueirada no teto e PLUFT, explodiu feito um coquetel molotov. Lembrei dos meus tempos de radical chic na Maria Antonia. - Jogou água no teto? Mas por que deixou a luz acesa? - Porque tava escuro. Tá pensando que eu sou coruja? Aí você olha e só vê o soquete enterrado até o talo. Alicate não vai resolver, você vai precisar de algum instrumento cirúrgico. Um bisturi talvez. Depois de levar um 110 caprichado, porque ela desligou o disjuntor errado, você troca a dita cuja e desce cambaleando da escada. Olha no espelho e lembra da teoria da relatividade. Mostre a língua pra imitação ficar perfeita! Não, tentar comer o sashimi que ela fez com o alicate não vai compensar o estresse, nem o sacrifício. Aposente esse herói que já rendeu mais de cento e vinte barbas. Bozzano, Bozzano! Calma, não estou de gozação, mas você há que admitir que o alicate é muito mais útil que aquela tesourinha que você usa pra cortar a cabeleira do seu nasal. Ele arranca pela raiz. Vai me dizer que você nunca sorriu pra sua sogra com o alicate na mão e empunhou feito um rifle com a mira telescópica bem no nariz da Endora? Não é feitiçaria, é tecnologia! |
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