ALZIRA
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Celso
Rab Lage
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Bom dia!!! Hoje é um dia especial. Eu, que diariamente acordo às sete horas da manhã, nesta dia levanto às quatro, devido ao intenso movimento que se faz desde cedo em frente de casa. É dia de feira aqui na rua e, se eu não levantar cedo e retirar meu carro da garagem, tenho que me virar a pé, pois os feirantes são implacáveis comigo; armam a barraca de peixe bem em frente da garagem de casa. Mas não pensem vocês que eu levanto mal-humorado, muito pelo contrário, tenho uma satisfação enorme em acordar nesse horário, pois junto com a feira, vêm também até o meu bairro a figura mais tradicional e engraçada da cidade. Ela chama-se Alzira, tem no máximo um metro e cinqüenta de altura, sessenta e poucos anos, veste um vestido de noiva todo remendado, um grinalda na cabeça e por cima do vestido de noiva usa a camisa do corinthians. Além desse traje oficial, que ninguém ousa perguntar o porque, ela carrega consigo uma bola de capotão, tão antiga quanto ela. Nossa querida Alzira é moradora de rua, mas ninguém sabe em que rua ela mora, pois anda por todos os cantos, percorrendo todas as feiras da cidade. Ela, apesar da idade, ainda consegue realizar umas embaixadinhas com a bola, se coloca em posição estratégica, no fim da feira, bem ao lado da barraca de petiscos. Peteca daqui, pega um petisquinho, cabeceia ali, mais um petisquinho e lá vai a Alzira conquistando a simpatia dos que passam por ela, inclusive a minha. Para quem não me conhecesse, sou mais um, dentre tantos brasileiros, aficcionado por futebol. Não tenho um time certo para torcer, sou fã mesmo do futebol bem jogado, aquele que é vistoso, sutil, bailarino ( diria Leão), instigante, aquele que conquista o coração e a mente do torcedor, até mesmo do torcedor adversário. Alzira é torcedora do Timão desde a época de tupãzinho, não esse último, rotulado de talismã, e sim o grande tupã que tantas glórias deu ao Corinthians Paulista. Conversar com ela sobre futebol, é percorrer o passado de maneira bem-humorada, apesar da idade e da loucura que a consumiu com o tempo, Alzira, no quesito futebol, manja tudo. Lembro de quando a conheci, há 10 meses atrás. Ela estava na feira, só com o vestido de noiva, petecando a bola de capotão. Me aproximei, observei a sua habilidade, conversamos e nos tornamos grandes amigos. Era época do campeonato mundial entre clubes, e o glorioso timão do parque São Jorge estava firme na disputa do título. Eu, como amante do futebol bem jogado, e com o Corinthians recheado de craques, torci muito para que o time fosse campeão. Dia da final, cruzo com a Alzira na praça central da cidade, ela tomando um banho no chafariz, eu tomando um chopp no barzinho. Ela vem até o meu encontro, serra um cigarro e senta ao meu lado para acompanhar a partida final. Corinthians campeão!! Vibração geral, e eu comovido compro uma camiseta do timão para a Alzira. Ela olha para minha cara, chora e agradece. Era o primeiro presente que ela ganhara, desde que resolveu virar moradora de rua, coloca a camiseta por cima do vestido encharcado e vai-se comemorando o campeonato. Desde esse dia, que todas as quartas-feiras a encontro em frente de casa, com a bola na mão me aguardando para tomar o primeiro gole de café do dia, e quando volto, na hora do almoço, lá esta ela com uma sacola cheia de seus ganhos do dia, os famosos fim de feira, aguardando o almoço que minha esposa faz com muito prazer. Saio na rua, não a vejo em frente de casa e pergunto para o peixeiro: - Ô seu Adalberto, cadê a Alzira? - Sei não senhor. Esta semana ela não apareceu em feira alguma. Fico triste, entro em casa, tomo um banho e vou para o serviço. A manhã transcorre perfeitamente, volto para casa na hora do almoço e nada da Alzira. Começo a almoçar, como sempre, assistindo o programa esportivo. Nele vem a notícia de que o clube que tantas glórias deu a sua torcida, que sagrou-se campeão mundial este ano, não vence e nem empata há mais de dez partidas, só perde, quebrando com isso um recorde negativo dentro do futebol brasileiro e mundial, sagrando-se o pior time do mundo. Como pode? Tantas glórias, títulos e alegrias e agora o time se encontra no fundo do poço. Foi quando despertei para o que estava acontecendo. Todos os jornais, tanto da mídia escrita quanto da mídia falada estavam comparando o atual time com um verdadeiro fim de feira. - Agora esta explicado! penso, eu. Talvez a Alzira tenha escutado essa notícia e esteja lá no parque São Jorge comendo seus petisquinhos. Talvez. |
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