ETAPA
01
Edison
Veiga
São
Paulo-SP
Visite
o Blog do Edison: CRONOPOLITANO
|
Depois
do atropelamento, sua vida não aprendeu mais a entrar
nos eixos. Os problemas nasciam já ao acordar, como
se o espelho do banheiro, agora testemunha única de
suas abluções matinais, estivesse com uma trinca
enorme. E cortante.
-
Bom dia é o caralho!
O
café da manhã solitário era de um tédio
absoluto. E para quê escovar os dentes se não
haveria mais quem beijar? Não, não, ninguém
mais reparava se o laço da gravata estava mal feito
ou se o paletó levemente amassado.
Então
sair de casa. Então atravessar a rua. Então
se queixar da demora do ônibus. Então chegar
cinco minutos atrasado ao trabalho. Então reclamar
do elevador sempre lotado e aquelas pessoinhas que exageram
no perfume. Então aguentar a cara feia persistente
do chefe. Então enrolar, fingir que trabalha.
O
almoço era em grupo, com a patota toda, sempre. Ultimamente
ele não desempenhava mais o papel de tagarela da turma.
Ensimesmado, cutucava seus pensamentos, remexia as vísceras,
transcendia desejos.
-
Por que, meu Deus, por quê?
Então
a repetição da manhã, o enrolar, o fingir
que trabalha. Até o relógio marcar seis da tarde,
as tarefas pela metade, o sol que não arde mais, que
tal ir embora caminhando em vez de enfrentar ônibus
lotado?
-
Boa ideia. São só quatro quilômetros,
são só quatro quilômetros. Caminhar refresca
a alma.
No
percurso, carros. Carros e mais carros. Alguns ônibus.
Três caminhões. E a imensidão de rostos
e rostos e corpos e corpos. Pessoas. Cada qual carrega na
bolsa ou mochila sua vida - histórias, afeições,
sorrisos, quebra-cabeças, canções. Antonio
não se cansava de tentar decifrar esses segredos.
-
Aquele ali, palmeirense. Palmeirense.
-
Esse, tenho certeza que queria ser ator de teatro quando criança.
Virou engenheiro civil.
-
Aquela, aposto que teve uma infecção urinária
na semana passada.
-
Aquele outro, não, não tem mais clima em casa.
Por isso anda querendo viver só com a amante.
O
estranho hábito de colecionar pessoas inventadas o
incomodava. Mas, desde a prematura viuvez, era o único
prazer que conseguia experimentar.
|
|
|
|
ETAPA
02
E.
Rohde
Roma
- Itália
Visite
o Blog do Rohde:
PROXIMO
FIM DO MUNDO
Prêmio
a ser retirado:
Um
exemplar do livro
CONTOS DE CAMINHONEIROS
![Contos de Caminhoneiros](../../../livros/caminhoneiros/capa.jpg)
|
-
Aquele ali, ó... aquele ali eu não sei.
Como
assim, não sei? Quem cruzasse a sua atenção
virava figurinha, tinha que entrar para a coleção.
Vez por outra falhava uma história, mas isso só
acontecia com mulheres. Seria coisa de hormônio,
coisa que Freud explica, sei lá. Aquele ali era
homem.
-
Tava me faltando era virar viado na minha idade.
Mais
do que honrar o hábito, agora era questão
de honrar a própria honra.
-
Qualquer coisa. É, é, um aspirante a oficial
da aeronáutica.
Não,
militar, não. Uma vez teve ciúme de um aluno
da Ingrid que era da aeronáutica. Tem vergonha até
hoje da cena que fez.
-
Então... não conheceu o pai. Pronto.
Também
não servia. Dali a pouco estaria alucinando que fosse
filho seu.
-
Porra, sei lá. Quer fazer vestibular para enfermagem,
chora no cinema, joga peteca, tem hemorróida.
Nenhuma
história satisfazia. Tentou se distrair com outros
pensamentos. Não conseguiu. Decidiu que precisava
de um chope. Desviou
rota para o boteco de sempre e foi sentar na última
mesa, ao lado da porta do banheiro.
-
Então, doutor. Como é que vai o livro?, o
garçom pensava que Antônio fosse escritor.
-
Andando, andando.
Sorveu
um gole do chope gelado que trouxeram sem precisar pedir
e esperou o álcool começar a diluir as ideias.
Era uma sensação gostosa: os pensamentos girando
em torno ao ralo da cabeça. O aluno da Ingrid, roda
mundo. Um filho bastardo, roda gigante. Mais um chope, roda
moinho. Hemorróida, roda peão. Traz mais um,
roda baiana. Se embriagou e nada.
O
rosto daquele ali começava a aparecer desfocado na
memória, o que só tornava a tarefa de lhe
dar uma história mais difícil. Tirou papel
e caneta do bolso do paletó e começou a escrever.
Quando tinha que pensar, Antônio pensava melhor por
escrito.
|
|
|
|
ETAPA
03
TIEME
MISE
Salvador
- BA
Biografia
de Tieme:
OUTROS
TEXTOS
Prêmio
a ser retirado:
Um
exemplar do livro
CONTOS DE CAMINHONEIROS
![Contos de Caminhoneiros](../../../livros/caminhoneiros/lombada.jpg)
|
Tentava
pegar os pensamentos com a cabeça a girar. A caneta
esperava, sem se mover. Um detalhe, quase apagado de sua
memória, fulgurou em sua mente. Havia uma falha
no sorriso de Ingrid. Uma pequena falha entre os dentes
incisivo centrais que nunca foi corrigida. Gostava daquela
falha e ficou tentado a suspender seu lábio superior
quando da rigidez cadavérica, para vê-la
ao vivo mais uma vez.
Por
que pensara naquilo? Balançou a cabeça para
o copo vazio e a caderneta quase totalmente já
escrita. Quantos chops já bebera? A vontade de
urinar estava ficando insuportável. Olhou para
porta carcomida do sanitário do boteco quase com
ódio, um sentimento já esmaecido. Levantou
e segurou o passo incerto. A sensação de
esvaziar a bexiga cheia era gostosa, quase um orgasmo.
Havia antes dela uma ereção fantasiosa que
se diluía com a última gota de urina.
Voltou
para a cadeira e sentou-se, desejando deitar. Seu copo
estava cheio outra vez. Olhou a sua volta. Três
homens debruçavam-se sobre o balcão.
O
blusão puído do primeiro só podia
ser de um operário de alguma fábrica de
fundo de quintal, embora a bunda achatada e gorda parecesse
de um funcionário público. O segundo era
mecânico com os jeans sujos de graxa até
os joelhos e as unhas negras. O terceiro parecia deslocado.
Magro e ainda jovem, falava com o garçom, quase
encostando os lábios em seu ouvido com gestos estranhos
e esquisitos. Aquilo cheirava a cumplicidade.
Fechou
os olhos, cansado. Um cheiro fresco inundou seu imaginário.
O som do vento farfalhando por entre as folhas de coqueiros
verdes. Um azul imenso de um mar sereno. A cabeça
pendeu para trás. Abriu os olhos assustado. Havia
cochilado. Catou o último cigarro do maço.
Onde estaria o fósforo? Achou um palito de fósforo
perdido no bolso do paletó. Ficou olhando para
a solidão do pequeno pauzinho de cabeça
vermelha.
O
garçom, atencioso, trouxe a chama do isqueiro para
ele. Segurou novamente a caneta. O sorriso de Ingrid voltou.
Carência. Um olhar chamou a sua atenção.
|
|
|
|
ETAPA
04
DOCA
RAMOS MELLO
São
Sebastião - SP
Biografia
de Doca:
OUTROS
TEXTOS
Prêmio
a ser retirado:
Um
exemplar do livro
CONTOS DE CAMINHONEIROS
![Contos de Caminhoneiros](../../../livros/caminhoneiros/capa.jpg)
|
Quis
deter-se naquele olhar, sabia vagamente a quem pertenciam
aqueles olhos, mas Ingrid rondava seus delírios e tomava
conta de tudo nele, por dentro e por fora, agora com sua falha
entre os dentes a se abrir descomunalmente, rachadura gigante
por onde saíam flores roxas e amarelas aos borbotões
e que se debruçavam sobre seu corpo no caixão,
desciam sobre a mesa e o chão frio do velório,
indo porta afora do local, a cobrir os muros do cemitério,
as ruas - uma floresta de flores bicolores. As pessoas se
afastavam para dar espaço para aquele imenso jardim
que crescia a partir da boca semiaberta da morta. A morte
é sempre desagradável, deplorável, Indrig
devia estar se sentindo constrangida com aquela manifestação
florida toda, ela parindo flores entre dentes, mas então,
por que ria encostando os cantos da boca nas orelhas? Com
uma pinça, Antônio levantou o beiço rígido
dela e nesse momento todos os dentes de Ingrid começaram
a cair como peças de dominó...
A
cabeça bateu forte no espaldar da cadeira, ele acordou
babando, tomou outro gole de chope, olhou em volta para conferir
se alguém o tinha visto babar, Ingrid se apagou no
meio das flores, a floresta florida murchou e sumiu. Coração
vazio, espírito distante, Antônio permanecia
ali só de corpo presente, tomava o chope mecanicamente,
as anotações se embaralhando sobre a mesa. Diante
do balcão, os três homens continuavam a tagarelar,
vocabulário rastaquera, idéias debochadas, cínicas,
deviam já ter bebido muito porque o mecânico
balançava para os lados.
_
O operário é corinthiano, está zoando
com os amigos por conta da eliminação do São
Paulo.
Ingrid
o arrancou do estádio, voltando a tomar conta dele
como uma febre, e a cena do atropelamento foi se redesenhando
diante de seus olhos turvos. Antônio preferia não
se recordar, mas há lembranças que se tornam
insistentes, concretas, invadem os dias e as noites do vivente
e transformam tudo em fogo e brasa. Doíam-lhe as costas,
as juntas dos dedos, a alma.
"Tenho
cinzas dentro de mim, cacete, somente cinzas", admitia
ao beber mais um chope.
Meio
bêbado, dançava com Ingrid entre as mesas, apertando
o tórax contra aqueles peitos de que tanto gostava,
suas mãos na cintura fina e sutil, comprimindo-a contra
ele, enquanto ela atirava a cabeça de fios loiros para
trás e ria sem compromisso nenhum com ele. Tinha dúvidas
sobre o amor de Ingrid, tinha ainda mais dúvidas por
conta da falha entre os incisivos, que sempre dava a ela um
ar de pueril deboche, de libidinosa infantilidade. Ingrid.
A dança se partiu. Antônio jaz na cadeira, o
copo de chope na mão.
Por
que razão agora aquele olhar sobre ele? Que quer? Saberá
a verdade sobre o atropelamento? Terá visto Ingrid
entre quatro velas a sorrir de leve deixando à mostra
a abertura entre os incisivos centrais? Terá...?
Guardou
papéis e caneta no bolso. Limpou a boca com o guardanapo
de papel, lembrando que Ingrid tinha aversão a guardanapo
de papel, considerava deselegante, logo ela, que jamais fora
elegante em toda a sua curta vida, que despautério!
Sentiu um novo apelo da bexiga, precisava urinar urgentemente,
mas não encontrava forças para ir até
o banheiro. Tentou se levantar, ao longe viu o garçom
apontando para ele, amparou-se na mesa. Ao ficar finalmente
em pé, não conseguiu segurar a vazão
e despejou-se nas calças, derrotado pela urina, rá,
rá, rá, riu sem jeito, a face pálida
voltada para o chão.
Aquele
olhar se mantinha sobre ele. Antônio não estava
bêbado o suficiente para deixar de notar que o olhar
se aproximava, agora centrado em um rosto que ele conhecia
bem.
_
Precisamos conversar, Antônio. Porque Procópio
tem pressa...
|
|
|
|
ETAPA
05
|
CONTINUE A HISTÓRIA
Envie
uma continuação para o conto acima até
dia 15/05/2009, sexta feira, o texto escolhido será
premiado com um livro.
e-mail
para recepção dos textos:
contocoletivo@anjosdeprata.com.br
|
|
|